Egbomi Joana Rocha (Iyá Lê) - In Memorian

Eu sou a primeira filha da casa. Eu fiz santo com meu irmão Lício. Ele era de Obaluaiyê e eu sou de Oyá. Fomos do primeiro barco. Eu conheci meu pai através de Mãe Neide. Eu antes frequentava a casa de um senhor chamado Dioclésio. Lá era Sessão de Caboclo. Comigo tinha uma turma. Eu precisei cuidar do santo e Mãe Neide me trouxe para cá. Sempre me falaram que eu era de Oyá e que eu precisava cuidar do santo, mas meu santo não era dali. Eu estou aqui desde o começo. Cheguei aqui quando não tinha nada. Eu trabalhei muito. Ajudei muito. Carreguei muita água. No início eu limpava os quartos de santo todos. Limpava o barracão que não era como esse aí não. Tinha que ficar lustrando. Eu fazia de tudo para deixar a roça bonita. Eu sou muito feliz por ser a primeira filha dele. Como você diz, eu atravessei com ele estes dois séculos. Ele um dia me disse que eu tive a cabeça tão boa que a casa encheu, prosperou. Sobre ele eu não tenho o que dizer, reclamar. Para mim é uma pessoa muito boa. É um bom pai. Eu não gosto que ninguém fale dele. Ele sempre foi assim ligeiro, inquieto, apressado, desde que era mais jovem. Reclamava de tudo. Acompanhava tudo. Era a maior disciplina. Aqui como você sabe tem aquele maior respeito. Isso ele não mudou em nada. Eu ajudava em tudo. Tomava conta de Iyawô, ia para o mato pegar folha, ajudava a ralar a folha, ia fazer banho. Acho que dessa parte de mim ele não tem o que falar. Hoje não posso fazer mais por causa da minha idade [mãe Joana tem mais de 90 anos], mas todos os dias eu vou lá em cima ver ele. Sempre eu morei aqui desde que vim fazer obrigação. Quando eu tinha uns vinte anos de santo, morei dez anos no Rio de Janeiro, mas sempre moramos aqui. Eu o acompanho desde o inicio. Lembro do banheiro coberto de palha, do areal, de tudo no começo. Quando eu olho a roça hoje eu vejo que ela está mais bonita. Vejo que ela prosperou e tem que prosperar mais. Ele diz que eu fui uma semente boa que prosperou. Hoje eu só peço que Deus dê anos de vida e saúde a ele para que ele fique bem velhinho para ver o povo chegando. Nestes cinquenta anos da roça eu quero mandar uma mensagem para ele: Que Oxalá dê muitos anos de vida, paz, saúde e mais o que? Paciência... para ele aguentar até o fim.

Antônio Rocha (Ogã de Oxum)

Eu me chamo Antônio Luís da Rocha. Eu cheguei aqui através de Mãe Neide. Eu tina 19 anos de idade. Ela trouxe a mim e Joana. Então eu passei a frequentar a casa. No início era uma casinha somente. Ainda não existia o barracão. Depois foi que começou a construir o barracão e eu ajudei inclusive a tapar a casa, a carregar água porque aqui não existia água encanada. Não existia luz elétrica. Não existia nada disso. Eu comecei a frequentar a casa e aí fui dando a minha parcela de colaboração, ajudando no que eu podia. Na mão de obra. Antes não era esse casarão. Era uma casa mais simples com poucas pessoas. Depois é que foram chegando mais filhos de santo e foi aumentando as pessoas aqui na roça. Carreguei muita água na cabeça. Aqui tinha muito trabalho, mas tudo valeu. Hoje o candomblé cresceu muito. Antes quando tinha um número menor de pessoas, elas eram mais afetivas, nos comunicávamos mais. Naquele tempo as pessoas chegavam dias antes, com certa antecedência para ajudar. A gente brincava muito, ria muito, principalmente com as graças que meu pai Lício fazia. Quando chegávamos ao pé do santo era sério, mas aqui era muito alegre. Para mim o candomblé em geral é bom, não me arrependendo. Aqui nós procuramos fazer o melhor. Hoje no candomblé tem muitos jovens, mas os jovens estão interessados em aprender e fazer por conta ou fazer lá fora. É mais curiosidade para fazer lá fora e ser melhor do que os antigos. Eu cheguei aqui jovem e estou aqui até hoje. Sou confirmado para servir todos os orixás por Mãe Caetana. Mãe Caetana para mim era uma boa pessoa. Eu aprendi muita coisa com ela. Ela gostava muito de mim. Tudo que ela queria era comigo. Eu acompanhava muito ela. Tudo que ela fazia na casa dela eu tinha que está presente. Seja onde eu estivesse ela mandava me procurar para eu me fazer presente. Ela para mim é uma pessoa espetacular, maravilhosa mesmo.


Neide Gomes (Iyamorô)

Eu conheci meu pai Air na casa de minha Mãe Caetana. Porque eu fui para lá grávida com a barrigona, pedir para ela "olhar " para mim e lá encontrei ele. Ele morava lá. Eu tinha mais ou menos uns vinte e oito anos. Com trinta anos eu vim morar aqui para tomar conta do terreno. Nos primeiros paus que colocaram no barracão que era de taipa eu já estava morando aqui. Meu marido estava para fazer uma casa, mas a situação não permitia que a gente pagasse casa e cons¬truísse casa. Aí viemos aqui um dia para assentar o caboclo e meu marido achou aqui ótimo e eu também, adorou aqui. Antigamente poderia se viver, se morar aqui. Não tinha água, não tinha luz, tinha uma casa aqui e outra lá não sei onde, mas eu gostava mais do que agora. Se dormia com portão aberto, se dormia tranquila, ninguém abusava, não se tinha assalto, não se tinha nada. Se ninguém queria morar aqui? Aí disseram: se vocês gostaram, tem essa casinha aí em cima que vocês podem ficar nela. Aí eu passei a morar aqui e comecei a fazer a outra casa. Eu saí daqui com a minha casa pronta. E quando eu saí daqui, já foi com o santo feito. Eu morei na roça de três a quatro anos. O candomblé no inicio era muito bom. Eu tirava uma de ekedi. Eu fazia de tudo. Cozinhava, adorava tomar conta das velhas. Aí fui ficando, fui ficando... é hoje, é amanha, vou para casa, não vou... só fui mesmo para a casa de minha mãe que morava no Carmo por causa do colégio dos meninos porque aqui não tinha es¬cola. Tinha uma meninazinha que "dava banca" para meus meninos, mas não tinha colégio. Então eu tive que colocar os mais velhos para a cidade por causa do colégio e fiquei com os três pequenos aqui. Depois vi que isso não dava certo porque uns ficavam lá e outros ficavam aqui. O marido começava a reclamar porque os meninos es¬tavam lá sem mim. Aí eu saí e fui para a casa. Quando desmanchou a casa onde eu morava, eu passei aqui para baixo. O barracão era de taipa, de pau a pique. Tinha o barracão, um quartinho, o quarto de Oxalá na frente. 0 barracão era um terço desse. Tinha o quarto de Oxum, o axé, uma sala de visita. Era assim aquela coisinha, mas era acolhedor. E tinha uma casa ao lado que meu Pai comprou que a gente chamava "a casa de Mário", eu ficava alojada ali porque aqui era muito pequeno. Ficava eu e meus meninos. A cozinha era aber¬ta. Tinha a metade de bloco. Só tinha o telhado. Eu ficava na minha casa e aqui. O tempo foi passando, tomei a minha obrigação de sete anos e estou aqui. Quando eu olho a roça de hoje eu sinto falta da outra, lhe digo com franqueza. Esta muito bonita, minha roça graças a Deus, não mete vergonha em nada, mas tenho saudade do tempo que cheguei aqui. Aqui era de chão. A primeira festa que teve aqui, a gente pisava assim e ficava ainda com aquela coisa nos pés, aqueles atabaquizinhos tocando no canto. Eu me lembro como se fosse hoje. Aquilo eu achava legal, gostava da minha roça como ela era. Não que eu diga que hoje não gosto mais. Adoro meus orixás, mas não $ei se foi porque aqui ficou muito povoado... Antes a gente descia no mato e pegava uma folha. Lá na frente tinha um rio que yaô tomava o banho. Aqui se tinha folha, não tinha corda. Colocávamos as anáguas nas árvores. A gente vestia as arvorinhas com as anáguas e ali secava, esses detalhes de antigamente. Eu não esqueço nunca da minha roça. É isso que me traz em pé. Eu amo a minha roça.

Nei Gomes (Elemasô)

Eu não tinha muita intimidade com Air, até que Neide veio morar aqui na roça para tomar conta do terreno porque nessa época ele estava no Rio de Janeiro. Então final de semana eu vinha com a minha mulher passar aqui. Até que ele voltou para começar a fazer a roça. Foi aí que eu tomei mais intimidade com ele. E começamos a meter mão para fazer a casa. Eu ia fazer 30 anos. Começamos a car¬regar água na cabeça. Água pegava lá em baixo onde hoje é a baixa fria, ou então em cima das dunas. Pegava água, trazia para fazer a massa para começar a fazer o barracão pequeno. Depois do barra¬cão pronto, botou o primeiro barco. Eu depois que me confirmei fiquei no lugar de um Ogan que se chamava Raimundo, que foi em¬bora para o Rio de Janeiro. Eu sou do quinto barco. Minha mãe-de-santo chamava-se Brígida da Cruz [Moroukeji], era conhecida como Pequena. Ela era filha de Oxafalaqué. E minha mãe pequena foi Mãe Caetana. E daí em diante eu comecei auxiliar Air. Isso foi na década de 60 e até hoje estou. Esse terreno aqui quem encontrou foi Hamilton de Xangô. Hamilton arrumou o terreno e Air comprou. Nesse tempo não existia a Boca do Rio. Tudo aqui para baixo era somente areia. Foi quando o Go¬verno de Antônio Carlos Magalhães acabou com a invasão do Bico de Ferro e trouxe os pescadores para baixo das dunas. Depois aca¬bou a invasão de Ondina. Pegou o povo e trouxe aí para baixo. Assim começou o bairro da Boca do Rio. Passamos muitos anos aqui sem água e sem luz, só com areia. Aqui não vinha transporte. A marinete deixava a gente lá em baixo na praia e a gente subia tudo andando com as compras no ombro, ou na cabeça. A luz daqui foi inaugu¬rada na minha obrigação de sete anos. Air tinha uma amiga, uma senhora que gostava muito dele que morava lá em baixo na esquina da ladeira da nona delegacia que deixou ele puxar um fio da porta dela, botou poste de madeira por dentro desse areal todo para po¬der colocar as lâmpadas aqui no barracão. Só fomos ter água mais próximo quando fizeram a Caixa D’Água. Aí já não se andava muito, se pegava água aí na Caixa D'Água, mas aqui não tinha nada. Era um silêncio gostoso. Candomblé aqui era feito na base do candeeiro, depois com um negócio chamado “petromax” que a gente batia numa bomba para fazer pressão e sair a chama. Air era novinho. Usava cabelo black e calça boca de sino. A gente era novo. O primeiro barracão era pequenininho, menos da metade desse. Ti¬nha os quartos de santo atravessados. Começamos de taipa, depois que veio o tijolo. Tinha uma cozinha coberta de palha. Depois Air foi ampliando até hoje. Quando viemos limpar o terreno, Hamilton, Jaime, eu, todo mundo. Eles e Air foram picados por um besouro chamado manguanguá. Parecia que eles iam morrer. Até que passou um senhor montado num burro que procuroü saber o que era e disse que era para beber água. Aí foi que ficamos sabendo que o nome do besouro era manguanguá. Era um besouro amarelo. Aí limpamos o terreno todo para começar construir. 0 pior de tudo foram essas contenções, pois aqui é muito acidentado e estamos em cima de uma duna. A areia era alva, tinha muito pé de mangaba, caxundé, muito dendê, tinha cajueiro... Mas hoje já construíram tudo e acabou. Eu estou aqui desde o primeiro candomblé.

Terreiro Pilão de Prata
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